Bum!
Ecoou mais um tiro no bairro. Em plena luz do dia.
O pequeno Fernando já estava acostumado, mas sempre se assustava.
Do alto dos seus 7 anos, embora não compreendesse, já tinha visto muita coisa.
Praticamente todos os dias quando ia para a escola, encontrava um corpo estendido no chão, sujo de sangue, cercado de curiosos, aguardando há horas a polícia chegar.
Mais um que foi “pra vala”, como ouvia os adultos dizerem.
Vai ver “tinha cheirado demais e se esqueceu de pagar”, falava o tio dele, o Pedro eletricista. Homem bom, trabalhador. Nordestino, chegara ali há muito tempo. Sempre contava estórias de quando era criança, de como brincava no terreiro da casa, cheio de mato, planta, pé de umbu, seriguela... Acho que deve ser fruta.
Falava de quando ele e os outros meninos tomavam banho de açude, numa água limpinha que dava gosto. De, quando chegava à noite, ficavam em frente à casa, contando estórias, a lua branquinha, brilhando no céu...
Fernando sonhava. Tinha inveja do tio. Queria ir para o nordeste, esse lugar mágico de que o tio falava. Pedro disse que veio porque tinha que trabalhar, pra ser gente, melhorar de vida. Quando chegou estranhou tudo. Os carros, os prédios, o falar das pessoas... É, ele fala engraçado, diferente da gente. Eu gosto dele.
Fernando não vivia num lugar assim. Os barracos de madeira, uns por cima dos outros, naquele morro que parecia não ter fim... Muitos buracos nas ruas, nas paredes, por causa dos tiroteios que frequentemente aconteciam. A mãe não deixava sair à noite. Dizia que era perigoso. Durante o dia era melhor. Brincava com os amigos, jogava bola, de esconder. Certa vez, achou um pacote cheio de mato. Por que alguém ia guardar mato dentro de um saco? Mostrou à mãe. D. Lurdinha brigou, mandou colocar de volta onde tinha achado.
“Vamos logo, menino!”
Fernando olhava para o corpo estendido no chão. Pensou no que o tio contava. Imaginava o Nordeste. Lembrava da escola. Sua mãe puxava o seu braço, pois ele já estava atrasado pra aula. A mãe dizia que se ele quisesse ser alguém na vida, tinha que estudar. Pois é. Quem sabe um dia eu possa conhecer o Nordeste que o meu tio falou. Longe de tiro, de morte e de sangue.
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