sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

ÚLTIMO DIA

Carlos acordou naquela manhã e só tinha um pensamento: “É o meu último dia.” Ainda zonzo, levantou-se e abriu a janela. Fazia um lindo dia lá fora. Ele tornou a pensar:

“É o meu último dia.”

Foi ao banheiro para lavar o rosto. Ao se olhar no espelho, viu a sua imagem retorcida, pálida, com a barba por fazer, o cabelo assanhado. Notou as olheiras, abriu um olho, depois o outro. Molhou-se. Aquela água escorrendo em sua face trazia-lhe muitos pensamentos.

“O que eu fiz em todo esse tempo? Faltou alguma coisa? Não sei, não consigo lembrar.”

Estava um pouco atordoado e achou que um café iria ajudar. Após enxugar o rosto, numa toalha branca que estava numa poltrona amarela que ele havia comprado dois meses antes, seu único presente. “Todo mundo tem que se dar alguma coisa” pensou consigo. Naquela manhã de domingo, ele acordara cansado, pois tinha ido dormir muito tarde. Gostava de ler e na noite anterior, revirando em seus papéis, encontrou uma folha com a inscrição: AMANHÃ É SEU ÚLTIMO DIA. Nunca havia parado pra pensar nisso.
Ao por a água no fogo, Carlos pegou o novamente o papel que tinha lhe tirado o sono na noite anterior: AMANHÃ É O SEU ÚLTIMO DIA. Num relance, teve medo. Não do papel, mas do que viria depois. Ele já sabia que uma hora ou outra acabaria.

“Como vou me preparar pra essa hora?”

Abriu o armário e viu suas peças de roupa. Uma camisa xadrez, azul e branca; um par de sapatos Freeway, que sua ex-namorada tinha lhe dado; uma calça simples, que ele havia comprado a preço de banana de um amigo muambeiro, Pablo; algumas cuecas e o seu revólver. Não era muita coisa que possuía: mais eram livros e CDs. Maquiavel, Machado de Assis, Byron, Goethe, Paralamas, Raul, Pavarotti, Bach, além de uma infinidade de gravações em fitas de palestras e conferências às quais comumente freqüentava. Era um sujeito, assim por dizer, estranho. Poucos amigos, mas uma boa pessoa.
Colocou um CD de Chico Buarque na música “Construção”. “Amou daquela vez como se fosse a última...” Última. Último dia. Meu último dia. Irritado, desligou o aparelho e vestiu-se. Resolveu caminhar um pouco para esquecer os problemas. Sentia-se incomodado.

“Não pode ser! Já?! Como o tempo passou e eu não percebi? Como assim meu último dia? Eu tinha muito por fazer...”

Seus pensamentos o absorveram por completo. Foi até o bar do Cabral, um português que havia chegado no bairro por volta de 1960 e montado um bar. Deu certo. Ao chegar, Carlos pediu uma cerveja. O dono do bar estranhou.

“A essa hora, Carlos? É muito cedo!”
“Que nada, preciso me distrair.”
“Aconteceu alguma coisa?”
“Nada não.”

O português não insistiu, pois sabia que quando Carlos respondia “nada não”, não queria papo.
Depois de umas três cervejas, mandou pendurar e saiu. Sua cabeça estava fervilhando.

“Não acredito! Não pode ser!”

Foi até a praça que ficava atrás do bar, ao lado do cemitério. Sentou-se numa das cadeiras e ficou a observar o ambiente. As crianças corriam, brincando com um cachorro branco, que latia sem parar. Olhou para o lado e viu um casal de velhinhos andando de mãos dadas. Ele não era casado e havia prometido a si mesmo que encontraria uma mulher que o aceitasse, que o entendesse. Nenhuma das que ele conheceu seguia essas determinações. A Marta, uma morena da Zona Sul foi a que mais durou. Uns seis meses, acho.

“Que cara sem sorte!” pensava. “Esse tempo todo jogado fora!”

Foi ao mercado central, onde comprou tomate, alface, banana, maçã. Voltou para casa para preparar seu almoço. Eram por volta das 11 da manhã e ele não tinha tomado café. Sentia fome.
Após uma refeição simples, ligou a televisão e adormeceu. Quando acordou, já eram nove horas. Bebeu um copo d’água e foi tomar banho. A água do chuveiro ao cair em sua cabeça não afugentava os pensamentos ruins.

“Meu último dia...”

Terminou o banho. Enrolou-se na toalha. Olhou o celular. Três ligações perdidas. Sua irmã, Ana Maria, seu primo Silvio e seu amigo José Paulo. Resolveu não retornar as ligações. Abriu o guarda-roupa. A camisa, a calça, os sapatos, o revólver. Pegou o 38 com uma das mãos. Estava carregado. Seis balas. Ele tinha uma ótima pontaria. Seu pai o havia ensinado. Para derrubar alguém, só uma era necessária. Guardou-o novamente dentro da caixa do sapato.

“Ainda é cedo.”

Onze e meia. Foi escovar os dentes. Olhou a carteira.

“Acho que dá.”

Olhou o revólver. Onze e quarenta e cinco. Estava quase na hora. Faltava pouco para eliminar um ano cheio de frustrações, de mágoas, de tristeza. Guardou a arma. E saiu para aproveitar seu último dia do ano.

sábado, 11 de dezembro de 2010

MINHA ALMA PROCURA PAZ

Minha alma procura paz.
Procura correr pelas matas do sossego,
sem medo,
uma chance pra sentar e descansar debaixo de um pé de moleza,
chupando uma manga rosa bem docinha
[lambuzando a cara toda feito menino do buchão,
depois dar um mergulho num açude
onde a simplicidade costuma beber água
e a gente simples lava os "trem".
Juntar uns pedaços de pau pra fazer uma fogueira lá no oitão
pra comer batata assada com estórias de trancoso,
se pelando de medo da Mãe da mata e do Papa Figo.


É uma paz que se chama saudade, amigo véi.